sexta-feira, setembro 29, 2006

Motim no 13º Bairro Fiscal

Um senhor de fato azul e pasta castanha em pele entra na repartição das finanças do 13º bairro fiscal de Lisboa, aproxima-se da máquina das senhas e carrega num botão. A resposta é um latido mecânico perro, seguido do som de papel a rasgar e por fim um estampido metálico. Do orifício por onde deveria sair a senha emana agora uma pequena coluna de fumo preto. Um funcionário, depois outro e outro queixam-se que o sistema de gestão de senhas deixou de responder nos seus terminais. Como os números saem de forma sequencial independentemente do serviço a que cada utente pretende se dirigir gera-se a confusão, ninguém sabe quem é que está a seguir a quem para cada um dos guichets e iniciam-se negociações informais para decidir quem vai primeiro. Aproveitando-se da situação alguns utentes tentam criar nova jurisprudência de acesso que vá além da ordem de chegada e esgrimem-se argumentos e justificações elaboradas. “Eu já cá estive ontem, eu já perdi 15 minutos na padaria, eu deixei o arroz ao lume, há 2 semanas fui operada a uma hérnia e antes tinha sido a um quisto nos ovários que conseguia sentir quando esticava o dedo e se tivesse as unhas grandes…”
As negociações seguem a bom ritmo até que alguém se lembra de desabafar um “A culpa é toda do Sócrates”. Indignada, uma jovem com um ar muito saudável, reage violentamente ao soco e pontapé gritando “a culpa nunca pode ser de um homem tão charmoso!”. A violência alastra visando principalmente os funcionários por de trás dos balcões. O chefe de repartição tranca-se no escritório e pede reforços. Dos restantes bairros fiscais de Lisboa acorrem funcionários munidos de arsenal pesado: Todas as edições do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Colectivas desde 1982 e formulários de auditorias e penhoras. A batalha segue renhida até à chegada da polícia de choque. O cenário é dantesco: funcionários públicos enforcados com fios de telefone pendurados no tecto, contribuintes em estado catatónico a sussurrarem “a alínea 313-B do decreto 378.908.812/96 não, por favor, não”. São disparados tiros para dispersar, que são interpretados num outro bairro ali perto, o 6 de Maio, como a chegada de mais um carregamento de droga. E como esta não chegando, e começando a circular o rumor de que tinha sido interceptada pela bófia ali para as bandas de Benfica, gangs de traficantes juntam-se aos contribuintes na batalha que se estende já por todas as repartições de Lisboa.
No dia seguinte Lisboa acorda em estado de sítio, com a contenda a alastrar a outros conflitos sociais latentes na sociedade portuguesa: Velhotes digladiam-se com mulheres grávidas pelos lugares reservados nos transportes públicos, distribuidores do Destak fazem emboscadas aos colegas do Dica da Semana, Assembleia da República vs. Chapitô e todos contra os taxistas. Acerca dos confrontos, o Papa diz que Portugal não segue a racionalidade do logos grego e que é portanto uma sociedade de cariz islâmico. Mahmoud Ahmadinejad afirma que nunca ninguém difamou assim o profeta e lança um ataque nuclear sobre o Vatic... 681 ao balcão 12… 681 ao balcão 12… Oiça lá, 681 não é o seu número? Estão a chamá-lo. O quê, ah, desculpe, estava distraído.

2 comentários:

textura disse...

demais...distribuidores do Destak a fazerem emboscadas aos colegas do Dica... eu quero eu quero... vou-me munir do essencial e da próxima vez que for a Portugal mascaro-me de bombista homicida e explodo com umas quantas máquinas de senhas!
pensando melhor... tenho que esperar que a reforma da minha mãe venha... trabalha nas finanças e não a quero enforcada!

está hilariante!
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Anónimo disse...

Se com as senhas é assim, imagino com o resto, como os bilhetes de metro, os cartões de crédito... eita que a briga ia ser mundial! Agora deixa lá o Sócrates em paz, se é charmoso eu não sei, mas que é velho isso é, e aonde eu estou hoje há que ter respeito com os Kotas! Adorei valeu!