quarta-feira, agosto 30, 2006

O meu amigo MANUEL

A tua vida encontrou a morte há um ano. Precisamente. Estava um dia abafado, denso, respiração arrastada. Tons escuros, tristeza mal escondida de palavras e encomendas excessivas. Procurei a tua voz. FOI-SE. Ficaram outros gritos, as intermináveis noites brancas, a película de um filme por fazer. Seguramente a preto e branco, daqueles com muito brilho no écran de cinema...
Fui ao teu encontro nesse dia, cumpria a deligência familiar, examinar a tua não-vida, o princípio da tua morte. Não me despedi, só consegui ver o teu corpo inchado, violentado, mutilado. O teu silêncio, a minha solidão. Novamente, o silêncio frio e cortante. E agora, o que me cabe dizer a quem espera pela tua vida lá fora? A mesma resposta. Sim, a mesma resposta.
Pequim 2008. Jogos Paraolímpicos, solo de campeões. O filme mostra a tua figura, bonita, a técnica admirável que te faz vencer no BOCCIA. Uma bola lançada com precisão, toda uma vida que se cumpriu. Ouço a tua voz...percebes agora, Ricardo, porque é que eu não podia continuar naquela cama, agarrado aquela ausência de mim. Tive que me vir embora. A resposta. Tua.
A tua mãe vestiu-se de branco no dia em que todos quiseram despedir-se de ti. Entrei no seu quarto, a imagem tragicamente bela, os meus olhos esculpiram uma Pieta negra, estavas ao colo menino-homem. Calmo, sereno. Uma Pieta. Outra resposta. Nua
O ritual. O cemitério. O teu corpo e a terra. Uma pá de terra a cobrir o teu corpo, outra ainda, precipita-se o cântico em coro de muitas vozes. O sopro resulta em catarse, quase transe, escondo-me, recolho a casa. Desabar, não. A não resposta.
Película descontínua, cortada à tesoura como os antigos faziam. Ouço a banda sonora repetidamente, Anthony liberta um... SET ME FREE. Eu acompanho no meu tom, na minha medida. Please let me answer something different, please let me sing something new.

terça-feira, agosto 29, 2006

Loud and clear

Loud and clear, Rodrigues, loud and clear. Aliás, ultimamente não faço outra coisa. Ela disse-me que não conseguia dormir cá em casa porque acordava com o som da vareta da cega que pede na esquina da minha rua, logo desde as 8h. Durante algumas semanas comecei também a acordar com aquele som cadenciado do metal contra a calçada, como se a simples sugestão me tivesse deixado tão tísico quanto ela.
Com o passar do tempo entra no ouvido e passamos a fazer com ele aquilo que queremos. Ligeiramente mais rápido e é ritmo duma percussão africana, mais leve e cristalino e é já o som de água a cair de uma cantaria depois da chuva. Um pouco mais irregular e sincopado é o estalido do vinil por baixo dos metais, por baixo do piano, por baixo da voz da Bessie Smith quando ela canta:

"I wrote and
asked the warden
why they call
the jail the Sing Sing
He said stand here by the tock pile
and listen to them hammers ring"

Sing Sing Prison Blues, Bessie Smith

segunda-feira, agosto 28, 2006

Abrir hostilidades...

"Ouve lá, miúdo, temos que escrever um texto para abrir o blog, ou lá o que valha. Uma coisa para mostrar ao quem vimos, e o que pretendemos, essas coisas todas..."
(Senhor guerreiro, companheiro de luta desta e outras redes)

Sim, é verdade, senhor guerreiro. Tentarei juntar umas quantas pessoas para tal designío. As pessoas. Penso sempre nelas - as bonitas e as feias - as grandes e as poucochinho - as que mostram e as que se escondem - pessoas alinhadas, arrumadas - pessoas em desatino, aos repelões - as que crescem - as que recomeçam - as vivas - as não-vivas - outras ainda que tem voz - e aquelas que pedem emprestada uma outra voz - pessoas que se cumprem - e as que esperam esse momento. PESSOAS. sempre pessoas.

"Ó meu filho, a vida não tem grande ciência, andamos sempre à volta das mesmas coisas"(Dona Arminda, A Velhota de um lar de idosos, Samora Correia)

Rebal, homem magro, tez pó escurinho, sorriso aberto, vai existindo num café de cachimbos aromáticos de água, onde não se vende alcool para os convivas. Toda a vida se confrontou com a mesma pergunta, toda a vida a mesma resposta...Partir para uma outra babel, onde seja possível responder, o que a sua Luxor não permite. A mesma resposta, Lisboa, Paris, Brugges, Tânger, Alexandria, a mesma resposta. Senta aí, Rebal, vamos beber um trago desta velha e boa aguardente. Sim, podemos dar uma outra resposta. Sim, podemos.

"Aqui não há cerelac, mexe mas é essas pernas"(Um velho corredor a fazer pouco da minha corridinha pela Expo)

Singsingh, vários peixes pirilampos ao pescoço, rosas cansados num dos braços, uma vida de um paquistanês feito lisboeta, cara cerrada, sorriso escondido. Parece dizer " a vida é muito mais que um prato Cerelac pela manhã". Tínhamos descoberto o nosso nome, o nosso blog, e eu nem gosto do raio da papa. O assombro tomou conta de nós, Singsingh, mostrou-nos a sua parte mole algures naquele corpo amarrado, singelamente, escreveu no nosso papel rasca, o nome dos seus três filhos. Foi a resposta dele, uma outra resposta. Três filhos, vender rosas a portugas a iludirem-se atrás de cervejas e coisas afins, três filhos, porra. Três.

"...Mas, neste local, e neste momento, a humanidade somos nós..."(Didi para Gogo ou Gogo para Didi, já não sei, leiam o texto)

Ouviste o grito, senhor Guerreiro, ouviste a pergunta, bom amigo?? Neste logro que transformámos em blog, a humanidade somos nós. Rebal, Singsingh, Arminda, velho incógnito, os nomes da nossa resposta...Estás a ouvir???

domingo, agosto 27, 2006

Sing

Sem playlist, sem playback, sem playbook