domingo, dezembro 17, 2006

Fora de moda

Por estes dias, ao parar na conversa de uns tantos transeuntes, volto à ideia de manifestar as minhas intenções para a vida, os meus propósitos na relação que mantenho com todos os outros. Aqueles diziam "...ó Felizmino, porra!!!! Chega dessa merda de andares sempre a dar o dito pelo não dito. Vamos mas é colocar a coisa no papel...". De repente, comecei a sentir-me o Felizmino daquela história, ou seja, urge untar a mão à laia de compromisso de honra. Inspirado pelas figuras romanescas que preenchem os livros da minha infância, apetece-me dar forma a um compromisso que pretendo consagrar no tempo que me coube em sorte. Em texto corrido ou saltitante aqui vai disto…

Fazer o belo cocó todos os dias (um pouco de escatologia para começar assenta bem, dizem por aí)

Erguer o meu espaço, uma casa que possa ser central na vida dos meus – família e amigos. Imagino vários montes de livros, receitas de cozinha, estatuetas africanas, cd´s, quase a delimitar um mapa das coisas que me são caras. Não pode deixar de haver muitas plantas, uns quantos animais (tudo menos pombos), e sim, uma cozinha com forno a lenha onde eu possa demorar-me nos meus cozinhados, um dia, muito afamados. Outras tantas cores nas paredes feng-shui, uma cama XXL onde a malfadada roncopatia não te possa incomodar, um trampolim para fazer saltitar as ideias que pululam aqui dentro, uma juke-box com selecção musical própria. Tudo isto a pulsar com a visita, a estadia, o cruzamento de todos aqueles a quem estendo um grande abraço.

Construir uma história…

Poder-me rir às bandeiras despregadas com o primeiro cocó, as primeiras palavras (que seja papá, ou vá lá, Ri ri ca do), os primeiros arranhões, o primeiro olhar constrangido para aquela amiguinha tão bonita, enfim, os contornos iniciais de uma outra condição nas nossas vidas.

De infâncias reconstruídas com o labor reflexivo…

Manter o mais velho dos rituais que me estruturam, o encontro semanal com os jornais. Outrora o Globinho, a revista Manchete, passando pelo Record e as páginas desportivas do Público, o Independente e a irreverência made by MEC, novamente o Globo e a histórica revista Cruzeiro, como esquecer o DNA, absolutamente decisivo para estar na vida de uma outra forma, agora o Y e a Sexta, que ainda têm que se fazer à vida para perdurarem nestas memórias.

Um galão e uma torrada com grossas camadas de manteiga…

Voltar a andar pelos sebos ou alfarrabistas conforme a origem do português, chafurdar por entre o pó, a desordem e páginas moribundas para mais uma conversa com o senhor Livreiro, artífice desse ofício de orientar outrem ao encontro do LIVRO, ou apenas um nostálgico pretexto para reencontrar aquele PAI das cercanias do Sahara carioca.

Um cavalete, alguns quadros por pintar, muita tinta espalhada…

Poder sentar à beira de um mar idealizado por minha MÃE desde sempre. Um alpendre demorado em dunas douradas, a tranquilidade ambicionada, um rosto sulcado pela paz. Sentaremos, mãe. Eu, tu, Sofia, Marta, Tiago e Diogo, sim, Sentaremos.

Um grande puff no meio da sala, auscultadores no ouvido…

Vocês, meus manos, fiquem a saber que estarei por perto quando a vida teimar na errância, ou nos outros momentos em que podemos sorrir de coração livre. Sempre por perto, mesmo que a distância se imponha.

O saxofone enlevado por um certo violino…

Um terreno, uma terra fértil dos meus sonhos de menino bom, a companhia de todos que tanto amo, a certeza que estou a deitar mãos à minha obra. Com vagar, feita em fios de filigrana, no ritmo próprio de uma outra idade. Natural e simples, sem excessos e sujidade, no tom certo.

O mosaico retalhado das nossas vidas em película fotográfica…

Dar vida à revienga de uma bola de Catchu, as suas travessuras por entre pernas alheias. Nunca deixar morrer essa infância feita com uma bola debaixo do braço e a expectativa de fascinar o mundo através dessa arte de esférico nos pés.

Uma rede ocupada por essa invejável capacidade de nada fazer, apenas planar…

Não calar a inquietude que alimenta a minha avidez pela pessoa humana. Essa que se revela nos autores que subsidiam o meu imaginário, nos quadros que aprumam a minha estética pessoal, na música que me ensinou a conceber paisagens sonoras, no encontro fortuito nas veredas da grande urbe.

Os corpos despidos sob o calor de lenha incandescente…

Perder-me na Dança que dispensa tudo, palavra, olhar, intelecto. Apenas toque numa relação que se adensa em ímpeto, desejo, instinto. Trata de sermos um pouco animais, tribais, carnais e outros tantos ais. O som único do bandaneon de Piazzola, a beleza que se afirma na ousadia pelo risco, pela não-normalidade de dois trapezistas em frágil equilíbrio sobre o abismo. Tango. Vida ou morte.

O sorriso leve-leve a provocar ressonâncias de emoção…

Quando uma outra idade chegar, poder sentar na cadeira do meu Avô, reunir filhos e netos, e, finalmente, tornar-me um Contador de Histórias. Contar uma vida plena, sem censuras, limites, imposições, em que as personagens possam aludir a Vinicius – o meu parceirinho de sempre – no seu desígnio de viver no Absoluto. Contar os outros, Contar-me, Contar-vos.

Amar tudo em ti…Sempre…

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A banheira que diz olá...

06:45 da manhã, o som de alvorada insiste em dizer que está na hora de me fazer a um novo dia. No horizonte próximo, mais um momento de um quase diálogo que se impõe a cada manhã.

Aproximo-me, um primeiro olhar, paredes outrora alvas a dar forma à banheira onde todos os dias, cumpro o ritual. Sinto os primeiros estremecimentos, qual monstro que desperta ao primeiro sinal de alerta...

Abro a torneira esquerda, a da água quente (por vezes, convém traduzir), o primeiro bom dia, a água que escorre aos soluços, hesitando em cair, teimando em não ficar quente. Abro a cortina, enfio-me na dita, ouço a minha voz...Estou pronto!!!!

O corpo arrefece, começa a dar sinais de alguma irritação. A tal quase sorri...

Aos segundos sinais de vida da referida, vulgo vibração, cedo em abrir mais a torneira vermelha, agora sim, água límpida a cair, a jorrar em abundância sobre a mesma. Com água a ferver, por premeditação daquela, obrigo-me a abrir a torneira fria, e aqui instala-se o conflito...

Passo a instrumentar o jogo de torneiras, ora para a direita, talvez para a esquerda, de volta à quente, num diálogo estranho, pouco compreensível, aludindo a muito mais que um bom dia...Como se a respectiva, não estivesse interessada em fazer ouvir as suas palavras. Apenas ruído, e muita provocação. Uma molequada, uma travessura de menina levada...

A custo, vou tirando o sabão, e decido-me por encerrar o diálogo. Há coisas mais interessantes para fazer, do que enredar-me nas provocações de uma banheira qualquer...

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Na mouche, sr. Proust

"Em amor é um erro falar-se de uma má escolha, uma vez que, havendo escolha, ela tem de ser sempre má."

In A Fugitiva, Marcel Proust