segunda-feira, setembro 18, 2006

Soneto

Nara Leão não tinha a voz de Bethânia nem a exuberância de Elis. O que ela tinha era aquele sentimento único que transformou uma voz banal na diva da Bossa Nova durante as décadas de ‘60 e ‘70. O seu canto tinha aquela tonalidade reservada apenas a quem passou demasiadas noites acordada, numa cama grande demais, num quarto demasiado quente com a janela aberta para o som do mar.
Também tinha uma sensibilidade daquelas que reconhece um génio até quando se tropeça nele. Foi a primeira a gravar músicas de um tal de Chico Buarque, depois de Elis Regina ter dito que ia pensar no assunto. Nara não pensou, cantou. E de que maneira.

Soneto
(Chico Buarque)

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio

1 comentário:

Anónimo disse...

China,

Para os intimos, como eu e somente eu, que pude disfrutar dessa cama enorme, no centro do Rio, aonde o mar era um poster de J.R. Duran, quando ele ainda era naturalista, eu a chamava de Narita... Como é bom sonhar...O Chico me faz lembrar naquele personagem frances que o Gerard fez muito bem...O feio não gostava de se apresentar mas tinha poemas maravilhosos...