domingo, janeiro 04, 2009

O cimento, a bola e o calhau




"O Eusébio marca livres de trinta metros, o Artur Jorge chuta em moinho, o Dinis faz fintas à bandeirola de canto, MAS EU FUI O MAIOR CRAQUE DA RUA GUERRA JUNQUEIRO E ESTÁ PARA NASCER UM SUCESSOR DIGNO DESSE TÍTULO."

(...)

«E se o miúdo jogasse à baliza?»
Vi-me subitamente presenteado com um boné e dois lenços de assoar para as joelheiras. A matózia era mais velha, nove, dez anos, e num relance percebi que o meu futuro desportivo, assaz brilhante nas épocas seguintes, poderia nem sequer começar. Ora como isto de futebóis mais vale um mergulho para o fotográfo do que dois meses no banco dos suplentes, o craque enfiou o boné bem enfiado na tola, arreganhou o pior dos sorrisos (grr!) e dispôs-se a gravar o nome completo sobre o cimento do quintal. É claro que a minha equipa ganhou: nem seria de outro modo, pois logo à primeira investida do Tó Mané Magalhães esfola gatos mata cães fui-me a ele, encostei delicamente a biqueira do sapato esquerdo ao tornozelo do artista, fiz força (uma força «do catarino», como então se dizia) e apliquei-lhe o acelerador com algumas ganas e sobeja intenção de brilhar. O Tó Mané desandou para escadas agarrado ao tornozelo. Perguntaram-lhe se queria que trouxessem a bilha de água.
«Quero pois», urrou. «Quero a bilha e quero um calhau para partiros focinhos a esse gajo do cento e dezoito!»

Fernando Assis Pacheco, Memórias de um Craque

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