Entrar com passos seguros, o sono de quem irrompe o dia a horas madrugadoras, sentar-me no lugar de sempre, colar-me à janela, espreitar de soslaio a vizinhança cercana, apalpar os próximos minutos, colar-me à janela. Uma nova mirada aos semblantes laterais, quiça, a beleza num piscar de olhos....
- Ouve lá, Senhor Golfinho, este governo chupa-nos até o tutano
Primeiras gordas na Sexta ou Y, talvez Kyoto dos jardins japoneses com desenho harmonioso de crisântemos, flôr de lótus, e a silhueta de um corpo imaginado por entre quimonos vários. Cai a chuva, o dia assume os tons da noite, a sucessão de aldeias desta urbe, as caras familiares, os putos e as suas malas Sportbilly a caminho da escola. Espera-os aquelas aulas de matemática, em que a vergonha e a inibição obriga a professora a apontar o menino Golfinho na pauta colorida em 3 por 4...
- Menino Golfinho, venha ao quadro resolver esta equação de segundo grau!!!
Às vezes, o meu lugar permanece ocupado. Pressinto logo o que aí vem. Começo a sentir as silhuetas avantajadas de uns e umas, a roçar pegajosamente o meu ombro esquerdo. Efeitos outros de uma mini e sande de corato depois do Olivais e Moscavide aviar o Alcochetense com uma valente goleada, uma cintura que cresce proporcionalmente ao número de filhos, ou a bejeca despachada ao fim do dia quando o patrão insiste em chamar o senhor Golfinho ao seu escritório. A frieza tirana dos números logo dispara...
- Senhor Golfinho, ou isto melhora ou pode-se dar o azar de ....
O oitenta um da carris - Prior Velho/ Praça do Comércio - está a chegar a um dos seus destinos, a estação fluvial do tejo. Levanto-me a tempo de sentir aquele bafo de uma senhora bonita que insiste em mostrar a todos, que boca lavada e hálito fresquinho é a primeira condição para que o dia possa ter contornos positivos.
- Senhor Golfinho, às vezes os odores podem tramar a vida de uma pessoa!!!
A ponte, o exercício de trigonometria (seno+coseno+ seno), duas formas triangulares em suspenso sobre o rio. Sinto-me sempre um personagem do Smoke, a voltar ao mesmo lugar a cada manhã, quase à mesma hora, para flagrar a respiração própria de cada dia através DA imagem. Para Paul Auster, a esquina, no meu quotidiano a ponte.
- Senhor Golfinho, saudades à patroa!!!
Volto a dormir até à cidade de sonho e futuro como se afirma em outdoor camarário. Quando acordo, sento-me ao lado de uma criança que me mostra um futuro onde deixou de ser possível sonhar. Será??