O meu amigo MANUEL
A tua vida encontrou a morte há um ano. Precisamente. Estava um dia abafado, denso, respiração arrastada. Tons escuros, tristeza mal escondida de palavras e encomendas excessivas. Procurei a tua voz. FOI-SE. Ficaram outros gritos, as intermináveis noites brancas, a película de um filme por fazer. Seguramente a preto e branco, daqueles com muito brilho no écran de cinema...
Fui ao teu encontro nesse dia, cumpria a deligência familiar, examinar a tua não-vida, o princípio da tua morte. Não me despedi, só consegui ver o teu corpo inchado, violentado, mutilado. O teu silêncio, a minha solidão. Novamente, o silêncio frio e cortante. E agora, o que me cabe dizer a quem espera pela tua vida lá fora? A mesma resposta. Sim, a mesma resposta.
Pequim 2008. Jogos Paraolímpicos, solo de campeões. O filme mostra a tua figura, bonita, a técnica admirável que te faz vencer no BOCCIA. Uma bola lançada com precisão, toda uma vida que se cumpriu. Ouço a tua voz...percebes agora, Ricardo, porque é que eu não podia continuar naquela cama, agarrado aquela ausência de mim. Tive que me vir embora. A resposta. Tua.
A tua mãe vestiu-se de branco no dia em que todos quiseram despedir-se de ti. Entrei no seu quarto, a imagem tragicamente bela, os meus olhos esculpiram uma Pieta negra, estavas ao colo menino-homem. Calmo, sereno. Uma Pieta. Outra resposta. Nua
O ritual. O cemitério. O teu corpo e a terra. Uma pá de terra a cobrir o teu corpo, outra ainda, precipita-se o cântico em coro de muitas vozes. O sopro resulta em catarse, quase transe, escondo-me, recolho a casa. Desabar, não. A não resposta.
Película descontínua, cortada à tesoura como os antigos faziam. Ouço a banda sonora repetidamente, Anthony liberta um... SET ME FREE. Eu acompanho no meu tom, na minha medida. Please let me answer something different, please let me sing something new.